Nesse artigo, publicado originalmente no Al Jazeera como "The peril of hipster economics", a escritora e pesquisadora estadunidense Sarah Kendzior escreve que a deterioração urbana em alguns bairros das principais cidades do mundo se converteu lamentavelmente em um conjunto de peças urbanas a serem "remodeladas ou idealizadas" pela gentrificação (não sabe o que é gentrificação? clique aqui).
Segundo a autora, estes bairros - carregados de uma estética atrativa nostálgica e de uma enriquecedora "vida urbana" - estimulam a chegada de novos residentes de alto padrão que procuram esse estilo de vida em bairros historicamente associados as populações marginais - carentes de serviços públicos e oportunidades de trabalho -, que acabam sendo removidas para subúrbios pobres. "Querem mudar uma memória que outros já construíram. Isto é a economia hipster", afirma Sarah.
No dia 16 de maio uma artista, um serviço ferroviário e uma agência governamental gastaram 291.978 dólares para camuflar a pobreza aos olhos do público. Intitulado Psychylustro, o projeto da artista alemã Katharina Grosse é um trabalho em grande escala desenhado para distrair os passageiros da companhia estadunidense Amtrak das dilapidadas construções e indústrias fechadas ao norte da cidade de Philadelphia (Pennsylvania - EUA). A cidade possui um índice de pobreza de 28% - o mais alto entre as principais cidades dos Estados Unidos - com grande parte dele concentrado no norte. Em algumas escolas básicas de North Philadelphia, quase todas as crianças vivem abaixo da linha de pobreza.
Grosse associou-se ao Fundo Nacional de Artes e a Amtrak para mascarar os infortúnios de North Philadelphia com uma deliciosa vista. O jornal estadunidense The Wall Street Journal chama isto de "lutar com arte contra a deterioração urbana". Liz Thomas, o curador do projeto, o definiu como "uma experiência que convida as pessoas a pensar sobre este espaço que elas enfrentam todos os dias".
Projeto Psychylustro. |
É óbvio que este projeto não está lutando realmente contra a deterioração urbana, mas apenas contra a capacidade dos passageiros de observá-la. "Necessito do brilho da cor para aproximar as pessoas, para estimular um sentido de experiência de vida e aumentar a sensação de presença", afirma Grosse. As pessoas segundo a justificativa de Grosse e Thomas, não seriam aqueles que, de fato, vivem em North Philadelphia e suportam o peso das suas próprias cargas. As pessoas são aquelas que podem permitir-se o luxo de ver a pobreza através da lente da estética, à medida que passam por ela. Então, a deterioração urbana converte-se em um conjunto de peças a serem remodeladas ou idealizadas. Isto é a economia hipster.
Afluxo de hipsters
Em fevereiro de 2014, o diretor Spike Lee fez uma apaixonada crítica sobre a gentrificação de Nova Iorque - caracterizada com desprezo pelos meios de comunicação estadunidenses como um discurso retórico. Lee argumenta que um fluxo dos "malditos hipsters" fez com que os aluguéis subissem na maioria dos bairros da cidade, e por sua vez, expulsaram as comunidades afro-americanas do lugar que uma vez chamaram de lar. Na sua crítica, Lee apontou como na cidade aqueles serviços - ruins e desativados por um longo tempo - repentinamente reapareceram: "Por que é necessário um fluxo de novaiorquinos brancos no sul de Bronx, Harlem, Bed Stuy e em Crown Heights para que os serviços melhorem? O lixo não era recolhido todos os dias quando eu vivia no 165, Washigton Park [...]. Então, por que este afluxo de pessoas brancas é necessário para existirem melhores escolas? Por que agora existe mais proteção policial em Bed Stuy e Harlem? Por que o lixo está sendo recolhido mais regularmente? (Sempre) estivemos aqui!
Spike Lee foi julgado por muitos críticos da cultura hipster (hipster-bashing), incluindo o professor afro-americano John McWhorter, que afirmou que "hipster" é uma "maneira disfarçada de dizer 'honkey'" (um modo ofensivo de chamar a população estadunidense branca) e comparou Lee com o personagem televisivo George Jefferson, por sua hostilidade aberta aos brancos. Estes, que se concentram na gentrificação como uma cultura, ignoram que as declarações de Lee foram uma crítica da localização racista dos recursos. As comunidades afro-americanas, que se queixam das escolas pobres e dos serviços públicos terríveis, percebem que estas queixas são rapidamente ouvidas quando pessoas de renda mais alta se mudam para esses bairros. Enquanto isso, os residentes mais antigos são tratados como impurezas na paisagem e abordados pela polícia por incomodar os recém chegados. Os gentrificadores focam na estética, não nas pessoas. Porque as pessoas, para eles, são a estética.
Os defensores da gentrificação atestam suas intenções ao afirmar que "limparam o bairro". Os problemas que existiram no local (pobreza, falta de oportunidades, pessoas que lutam por serviços públicos negados) não desapareceram. Simplesmente foram deslocados para um novo local. Este novo lugar é geralmente um subúrbio pobre, que carece de glamour para converter-se no objeto de futuras tentativas de renovação urbana. Não existe uma história para atrair os conservacionistas, porque não existe nada nos subúrbios pobres que valha a pena preservar. Isto é degradação sem beleza, ruína sem romantismo: casas de penhores, lojinhas, compra de dólares, moradias modestas e contas vencidas. Nos subúrbios a pobreza parece banal e é esquecida.
Não se preocupe, é apenas gentrificação. |
Nas cidades, os gentrificadores têm a influência política para relocar recursos e reparar a infraestrutura. O bairro é 'limpo" através da remoção dos seus residentes originais. Os gentrificadores podem desfrutar o sol na "vida urbana": a dilatada história e a nostalgia seletiva. Ao mesmo tempo, evitam a responsabilidade sobre aqueles que foram deslocados. Os hipsters querem escombros com garantia de renovação. Querem mudar uma memória que outros já construíram.
Fonte: Archdaily Brasil.
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